sexta-feira, 26 de junho de 2015

Literatura Brasileira - Barroco

Literatura Brasileira - Barroco

Barroco
As manifestações literárias do Barroco iniciaram-se com a publicação de Prosopopeia, de Bento Teixeira, em 1601, e encerraram-se, teórica e oficialmente, em 1768, com a fundação da Arcádia Ultramarina e a publicação de Obras Poéticas de Cláudio Manuel da Costa. Em 1724, no entanto, a fundação da Academia Brasílica dos Esquecidos registrou o início de uma consciência grupal com a socialização do fenômeno literário, o que favorece o aparecimento do Arcadismo. No Barroco destacam-se Gregório de Matos Guerra e o Padre Antônio Vieira.

Manifestações Artísticas
O Barroco europeu, expressão artística da crise espiritual vivida pelo homem do século XVII, dividido entre a racionalidade e o antropocentrismo do Renascimento e a volta do teocentrismo e a espiritualidade medievais, caracterizou-se pela ostentação, cujo objetivo era impressionar e influenciar o receptor: a fé deveria ser atingida mais pelos sentidos e pela emoção do que pelo raciocínio. A arquitetura, a escultura e a pintura, frequentemente misturadas, perseguem esse fim usando de recursos como:
a) assimetria - o estilo é retorcido, opondo-se à assimetria e equilíbrio do Renascimento;
b) impressão de movimento - opondo-se à estaticidade clássica, são escolhidas as cenas de maior intensidade dramática (rostos contraídos pelo sofrimento ou pelo êxtase) para serem representadas pela escultura ou na pintura;
c) técnica do claro-escuro - na pintura, dá a sensação de profundidade.

No Brasil, embora o Barroco englobe as primeiras manifestações de arquitetura jesuítica do século XVI, sua forma mais exuberante, nas artes plásticas e arquitetura, só ocorreu no século XVIII, com as igrejas baianas e mineiras, com as estruturas de Aleijadinho, com as pinturas de Ataíde, com a música de Lobo Mesquita e José Maurício Nunes Garcia. O Barroco literário não coincidiu, portanto, com as outras manifestações culturais.

Produção Literária
O Barroco brasileiro foi fruto de manifestações isoladas visto que a Colônia ainda não dispunha de um grupo intercomunicamente de escritores, nem de um público leitor influente, nem de vida cultural intensa, situação agravada pela proibição da imprensa e pela falta de liberdade de expressão.
Reflexo da literatura escrita na Península Ibérica, a produção dessa época também revela a crise do homem do século XVII, dividido entre os valores antropocêntricos do Renascimento e as amarras do pensamento medieval reabilitado pela Contra-Reforma. Essa tensão manifesta-se no confronto pecado/perdão, terreno/celestial, vida/morte, amor platônico/amor carnal, fé/razão, céu/inferno.
Como as outras artes, a literatura empregou uma linguagem adequada à monumentalidade e à ostentação, exagerando no rebuscamento formal ao abusar de:
a) antíteses - que refletem a contradição do homem barroco, seu dualismo.
b) metáforas - que revelam as semelhanças subjetivas que o poeta descobre na realidade e a tentativa de aprendê-la pelos sentidos.
c) hipérboles - que traduzem a pompa, a grandiosidade do Barroco.
d) utilização frequente de interrogações - que revelam certeza e inconstância.
Há duas correntes barrocas em literatura:
a) cultismo - estilo marcado pelo rebuscamento formal que abusa de antíteses, paradoxos, hipérboles, jogos de palavras, ordem inversa. Essa tendência é também chamada de gongorismo, devido à influência do poeta espanhol Luís de Gôngora.
b) conceptismo - estilo desenvolvido sobretudo na prosa, preocupado em expor ideias e conceitos por meio do raciocínio lógico.

Alguns poetas:

Bento Teixeira (1560-1618) 
Com sua obra Prosopopeia, iniciou-se em 1601, o Barroco brasileiro. O poemeto é uma pálida imitação de Os Lusíadas e seu único objetivo era louvar Jorge Albuquerque Coelho, donatário da capitania de Pernambuco.

Gregório de Matos Guerra (1633-1696)
Importante poeta do Brasil colonial. Nasceu na Bahia em 20 de Dezembro de 1633. Estudou com os jesuítas e se formou em direito na universidade de Coimbra, em 1661. Sua obra poética permaneceu dispersa e manuscrita até os fins do século XIX. Em 1881 foi editada uma coletânea de suas sátiras, compostas quase sempre de improviso, as quais, não raro, descambam para uma grosseira licenciosidade. É considerado o maior satírico da literatura brasileira, incluindo-se também entre os mais notáveis líricos. Suas "Obras Completas" foram editadas pela Academia Brasileira de Letras - sob a direção de Afrânio Peixoto (1923-1939).

Manuel Botelho de Oliveira (1636-1711)
Brasileiro, estudou em Coimbra e foi amigo de Gregório de Matos. Publicou Música do Parnaso, uma coletânea de poemas escritos em português, castelhano, italiano e latim. Foi o primeiro poeta brasileiro a editar seus poemas. Dessa obra consta o poema "Ilha da Maré" em que se percebem traços de nativismo.
No período barroco aparecem entre nós as primeiras academias literárias centralizadas na Bahia: em 1724, é fundada a Academia Brasílica dos Esquecidos e, em 1759, a Academia Brasílica dos Renascidos. Elas foram importantes porque, além de intensificarem o sentimento nativista, representam a primeira tentativa de intercomunicabilidade literária (reuniram intelectuais e escritores e estabeleceram uma aproximação cultural entre os principais centros urbanos de então) e de contato com o público. As academias também fizeram um importante trabalho de pesquisa histórica. Sebastião da Rocha Pita, cujo pseudônimo era vago, pertenceu à Brasílica dos Esquecidos e escreveu História da América Portuguesa.  

O Barroco no Brasil (1601-1768)
Nota-se, na arte barroca, certa exuberância, excesso de ornamentos e detalhes, muitas vezes banhados a ouro. Os motivos são geralmente buscados na Bíblia e executados com marcas da influência da cultura mestiça colonial.
Contexto Histórico-Social
O Barroco no Brasil correspondeu à consolidação da aristocracia colonial brasileira, que resultou de uma série de eventos que marcaram a História do Brasil durante o século XVII e a primeira metade do século XVIII:
• As transformações sociais, econômicas e culturais, provocadas pelas invasões francesas e holandesas;
• O apogeu e o declínio da cana-de-açúcar no Nordeste;
• A ação dos bandeirantes e a descoberta do ouro, principalmente na região de Minas Gerais.
Costuma-se assinalar o início do Barroco no Brasil com a publicação do poema épico Prosopopeia, de Bento Teixeira (1601), e o seu final com a publicação de Obras Poéticas, de Cláudio Manuel da Costa (1768).
A poesia barroca atravessou três fases no Brasil.
fase: influencia de Camões nos poetas brasileiros. Principal representante: Bento Teixeira, com sua obra Prosopopeia.
2ª fase: começa a surgir uma poesia com características brasileiras.
Destaca-se o grupo brasileiro representado por Gregório de Matos Guerra, Eusébio de Matos, Domingos Barbosa, etc.
3ª fase: caracteriza-se pelo exagero e pelo aparecimento das academias literárias: Academia Brasílica dos Esquecidos, Academia dos Nobres, Academia dos Seletos, etc.
Pertencem a essa fase Manuel Botelho de Oliveira, Frei Manuel de Santa Maria Itaparica, etc.

Interior da igreja de São Francisco, Salvador, Bahia.

Gregório de Matos Guerra
Sem sombra de dúvida, a grande expressão do Barroco no Brasil foi Gregório de Matos Guerra. Nascido na Bahia, em 1633, faleceu no Recife, em 1696. Seus problemas refletem a sociedade brasileira da época.
Escreveu poemas satíricos, líricos e religiosos, mas foi como poeta satírico que granjeou grande fama.
Em suas poesias satíricas, Gregório de Matos critica o brasileiro explorado pelo colonizador, critica o próprio colonizador português, o clero e os costumes da sociedade baiana. Isso lhe valeu o apelido de "boca do inferno".

Observe a seguir, nos poemas de Gregório de Matos, o seu espírito crítico.

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha:
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro!

Em cada porta um bem frequente olheiro
Da vida do vizinho e da vizinha,
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha
Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos pelos pés aos homens nobres;
Posta nas palmas toda a picardia.

Estupendas usuras nos mercados:
Todos os que não furtam, muito pobres:
Eis aqui a cidade da Bahia.

O poema satiriza os fofoqueiros, ladrões e agiotas incompetentes. Procure identificá-los nos versos acima.

A Um Comedor Exagerado
Levou um livreiro a dente
De alface todo um canteiro,
E comeu, sendo livreiro
Desencadernadamente.
Porém, eu digo que mente
A quem disso o quer tachar;
Antes é para notar
Que trabalhou como um mouro,
Pois meter folhas no couro
Também é encadernar.

Em suas poesias líricas e religiosas, Gregório de Matos entra em conflito entre viver uma vida mundana e a procura pela fé, que salvaria sua alma.

Buscando A Cristo
A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.

A vós divinos olhos, eclipsados,
De tanto sangue e lágrimas cobertos,
Pois para perdoar-me estais despertos,
E por não condenar-me estais fechados.

A vós, pregados pés por não deixar-me,
A vós, sangue vertido para ungir-me,
A vós cabeça baixa pra chamar-me;

A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.

Cabana e vinha: em casa e no trabalho.
Esquadrinha: examina minuciosamente.
Picardia: velhacaria.
Usuras: lucros exagerados.

Barroco (1601-1768)
Escola de origem italiana, o Barroco se inicia no Brasil com a publicação da obra Prosopopeia, de Bento Teixeira, em 1601.
O Barroco retrata bem o homem do período e os seus conflitos, ligados as contradições entre teocentrismo e antropocentrismo. O homem vivia o dualismo entre a fé e a razão, entre obedecer os dogmas da igreja e, ao mesmo tempo, desfrutar ao máximo os prazeres da vida. Há um conflito entre os valores teocêntricos que a Contra-Reforma tentou resgatar e os valores antropocêntricos vindos do Renascimento. Logo, a linguagem barroca refletira as sensações em excesso que o homem gostaria de experimentar e, ao mesmo tempo, as sensações existenciais e dúvidas não correspondidas nem pela fé e nem pela razão. Portanto, há o excesso de antíteses, paradoxos, metáforas, sinestesias, hipérboles e hipérbatos.  
No Barroco, como recurso reflexivo, há o jogo de contrastes entre o claro (representando o céu, a luz, a salvação) e o escuro (representando o medo, o inferno, o pecado). Ainda dentro da possibilidade de reflexão e contradição, os autores se utilizam de dois estilos: conceptismo (raciocínio, jogo de ideias muitas vezes contraditórias) e o cultismo (valorização da forma e abuso de metáforas e outros recursos estilísticos).
Destacam-se os autores Gregório de Matos e o Padre Antônio Vieira (estudado tanto como autor português e brasileiro).



Referências→ Escola Viva, Programa de Pesquisa e Apoio Apoio Escolar. O Tesouro do Estudante. Multimídia Multicolor 2003. Nível Fundamental e Médio. Ensino Global.
Sistema de Ensino IBEP. Apostila Língua Portuguesa. Antônio de Siqueira e Silva• Rafael Bertolin
Pontes, Marta. Minimanual de Redação e Literatura / Marta Pontes - São Paulo: DCL, 2010.
  

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Estilos Literários ou Escolas de Época

Estilos Literários ou Escolas de Época


 Pintura Barroca, Adoração, por Peter Paul Rubens

Cada período da literatura em que existem obras e autores em que apresentam certas afinidades entre si é chamado de escola literária. Quer dizer que, nessas escolas literárias pode haver semelhanças entre as obras de determinados autores quanto aos temas, à linguagem, à forma de ver o mundo. Essas diferenças e semelhanças estão diretamente ligadas ao momento histórico da escrita das obras.
Por exemplo, o escritor do Barroco pensa e escreve de determinada maneira de acordo com a situação vivida em seu tempo (nesse caso, a Contra-Reforma). Já o Arcadismo surge com a decadência dos pensamentos barrocos, que não condizem mais com a sua realidade (Iluminismo). Essa mudança, é claro, não acontece de um dia para o outro, e sim de forma progressiva. Além disso, mesmo em um determinado período, em que há escritores que seguem há risca os preceitos de determinada escola literária (consciente ou inconscientemente), há outros que seguem de maneira retrógrada ou até bem a frente de seu tempo. Por isso, para que não se torne difícil a memorização de estilo de certos autores e o período em que viveram, é necessário fazer a classificação em escolas literárias.


Escolas Literárias- Caracterização Geral

Antiguidade Clássica (Grécia/Roma) Do século V. a.c. ao século V. d.c.
Características:
•Racionalismo;
•Antropocentrismo;
•A beleza como objetivo fundamental;
•Busca por equilíbrio, linearidade e a harmonia;
•Mitologia como tema central;
•Paganismo;
•Nudez como recurso artístico;
•Apego aos bens do mundo;

Trovadorismo (época medieval - século XII ao século XV)
Características:
• Teocentrismo;
•Influência do Cristianismo;
• Submissão a igreja e ao senhor feudal;
• Sobreposição da vida eterna à terrena;
• Simplicidade;
• Geocentrismo;
• Poesia acompanhada de instrumentos;
• Paralelismos;
• Coita amorosa;
• Humor e Sátira;
• Idealização feminina.

Humanismo (Século XV)
Características:
Transição entre o Trovadorismo e o Classicismo;
• Questionamentos dos dogmas religiosos;
• Semipaganismo;
• Ridicularização da Escolástica;
• Diluição do feudalismo;
• Curiosidade Científica;
• A Natureza como espelho para a arte;
• Predomínio da razão;
• Mitologia Grega e Bíblia Sagrada como temas;
• Clareza;
• Equilíbrio;
• Heliocentrismo;
• Universalismo.

Classicismo (Século XVI)
Características:
Antropocentrismo;
• Racionalismo;
• Equilíbrio, clareza e linearidade;
• Universalismo;
• Presença da mitologia greco-romana;
• Neoplatonismo;
• Valorização da beleza;
• Grandes Navegações;
• Adoção da medida nova (versos decassílabos);
• Gosto pelo soneto;

Barroco - (Século XVII)
Características:
• Gosto pelas inversões sintáticas (hipérbatos);
• Excesso de figuras de linguagem (metáfora, hipérbato, paradoxo, antítese);
• Sugestões sonoras e cromáticas;
• Gosto por construções complexas e raras;
• Oposição entre o mundo material e o espiritual;
• Consciência da Efemeridade do tempo;
• Carpe diem (colha o dia, aproveite o dia);
• Cultismo (jogo de palavras);
• Conceptismo (jogo de ideias);
• Antropocentrismo x Teocentrismo;
• Razão x fé;
• Pecado x perdão. 

Arcadismo - (Século XVIII)
Características:
Inutilia Truncat (cortar o inútil) - valorização de um vocabulário simples;
• Manutenção do soneto decassílabo e de outras formas clássicas;
• Linguagem pastoril;
• Bucolismo;
• Fugere Urbem (Fugir da Cidade);
• Aurea mediocritas (equilíbrio de ouro);
• Influência da cultura greco-latina (linearidade, clareza, racionalismo);
• Idealização amorosa;
• Ideais iluministas;
• Carpe diem;
• Locus amuenus (lugar ameno).

Romantismo (primeira metade do século XIX)
Características:
Vocabulário mais simples;
• Gosto por métricas populares (redondilhas maiores e menores);
• Descrições minuciosas, com excesso de comparações e metáforas;
• Egocentrismo;
• Subjetivismo;
• Sentimentalismo;
• Saudosismo;
• Nacionalismo;
• Idealização da mulher, do amor e do herói;
• Escapismo;
• Medievalismo;
• Indianismo; 
• Religiosidade;
• Byronismo;
• Condoreirismo;

Realismo (Segunda metade do Século XIX)
Características:
• Objetivismo;
• Narrativa lenta;
• Exatidão para localizar tempo e espaço;
• Mulher não idealizada com defeitos e qualidades;
• Sentimentos subordinados aos interesses sociais;
• Protagonista apresentado como um anti-herói ou um herói problemático;
• Crítica aos valores burgueses;
• Profunda análise psicológica;
• Casamento por conveniência;
• Adultério.

Naturalismo 
Características:
• Linguagem simples;
• Preocupação com minúcias;
• Descrição e narrativa lentas;
• Determinismo;
• Objetivismo científico;
• Temas da patologia social;
• Ser humano descrito sob a ótica do animalesco e do sensual;
• Despreocupação com a moral;
• Literatura engajada;

Parnasianismo 
Características:
• Perfeição formal;
• Vocabulário rebuscado;
• Rimas raras e chaves de ouro;
• Gosto pelas descrições;
• Objetivismo;
• Gosto pelo soneto;
• Contenção das emoções e racionalismo;
• Universalismo;
• Apego à tradição clássica;
• Presença da mitologia grega;
• "Arte pela arte";

Simbolismo
Características:
• Linguagem vaga, que prefere sugerir a nomear;
• Excessos de figuras de linguagens (paranomásias, sinestesias, aliterações, assonâncias, metáforas);
• Subjetivismo;
• Antimaterialismo;
• Religiosidade;
• Pessimismo;
• Loucura;
• Interesse pela noite e pela morte;
• Desejo de transcendência;

Modernismo
Características:
Versos livres;
• Linguagem vocabular;
• Linguagem sintética, quase elíptica;
• Fragmentação, flashes cinematográficos;
• Busca de uma linguagem brasileira;
• Nacionalismo ufanista;
• Revisão de nosso passado histórico-cultural;
• Ironia, humor, piada;
• Valorização de temas ligados ao cotidiano;
• Urbanismo.

Referência→ Pontes, Marta. Minimanual de Redação e Literatura / Marta Pontes - São Paulo: DCL, 2010.










domingo, 7 de junho de 2015

Literatura Portuguesa - Barroco

Literatura Portuguesa - Barroco

Barroco
O Barroco ou Seiscentismo tem início em 1580, ano que, além de marcar a morte de Camões, marca a passagem de Portugal pelo domínio espanhol; e termina em 1756, quando é fundada a Arcádia Lusitana. Nesse movimento, que vai caracteriza-se pela tensão e tentativa de fusão dos opostos, desenvolveram-se a oratória, a prosa doutrinária, a poesia, a historiografia, a epistolografia e o teatro.

Contexto Histórico
O século XVII assistiu profundas alterações  no quadro político, econômico, social, religioso e artístico da Europa em função de vários fatores:
a) Formação de estados absolutistas: o poder político foi fortemente centralizado na figura do rei (que se confundia com o próprio Estado). Esse sistema respondia as necessidades da burguesia, que precisava de um poder conservador para garantir as condições de mercado. Era a derrocada final do Feudalismo. 
b) Revolução Comercial: O mercantilismo exigia a ampliação de mercados fornecedores e consumidores. A circulação de mercadorias era a principal fonte de acumulação de capitais, representada na Espanha pela exploração de metais preciosos das colônias.
c) Ascensão econômica da burguesia: No século XVII, embora economicamente dominante, a burguesia ainda era politicamente submetida.
d) Contra-Reforma: Consequência da Reforma protestante (1517), ela foi a reação da igreja católica para conter a expansão do protestantismo. A Contra-Reforma propunha a volta ao teocentrismo (fé irrestrita na autoridade da igreja), abolindo o individualismo religioso do Renascimento. A Companhia de Jesus, criada pelo espanhol Inácio de Loiola em 1540, foi a arma usada pela igreja para manter e recuperar fiéis. Os jesuítas monopolizaram a educação para difundir a igreja católica. O Concílio de Trento (1545-1563) fortaleceu o tribunal do Santo Ofício da inquisição que, não só reprimiu todas as tentativas de manifestações científicas, culturais e religiosas contrarias à igreja Católica, como também controlou a produção literária através da censura.
A Península Ibérica, berço da Contra-Reforma, esteve afastada de toda a efervescência cultural dos países onde a Reforma se consolidara e onde desenvolveram a ciência mecânica e o mercantilismo moderno (Newton, Descartes, Galileu, Copérnico, Kepler).
Depois do desaparecimento de D, Sebastião na batalha Alcácer-Quibir, Portugal, em 1580, caiu sob o domínio espanhol. Muitos escritores portugueses foram para Espanha (onde viviam Gôngora, Cervantes, Lope de Vega, Calderón), outros passaram a escrever em castelhano. Só em 1640 com a Restauração (movimento português de independência financiado pela burguesia e pelos cristãos-novos), a cultura portuguesa romperia o isolamento e seria influenciada, principalmente, pela literatura francesa.

Manifestações Artísticas
O homem desse período foi marcado pela tensão da dualidade: de um lado a afirmação de um racionalismo renascentista antropocêntrico e, de outro, o retorno dos valores espirituais da teocêntrica Idade Média. A arte foi uma das armas mais  eficazes da Contra-Reforma para provocar e influenciar as emoções. Havia na obra dos jesuítas, que se empenhavam em recuperar hegeres e consolidar a fé dos cristãos, o desejo contínuo de dominar e impressionar a todo custo.
O Barroco caracteriza-se pelo movimento, pela tentativa de sugerir o infinito, pelos contrastes, pela audaciosa mistura da arquitetura, pintura e escultura. Ele é exuberante na riqueza de detalhes, teatral e dramático, pois escolhe os momentos de dor e comoção para impressionar os sentidos.

Literatura
A literatura também refletiu esse momento de tensão vivido pelo homem do barroco. Como as outras artes, empregou uma linguagem adequada à monumentalidade e à ostentação, exagerando no rebuscamento formal ao abusar de antíteses (que refletem a contradição do homem barroco, seu feudalismo), de metáforas (que enfatizam a apreensão da realidade pelos sentidos e de hipérboles (que traduzem a pompa, a grandiosidade do Barroco).
Há duas correntes barrocas em literatura:
a) Cultismo: Consiste na supervalorização da forma, emprego de linguagem rebuscada, culta, extravagante, que abusa de trocadilhos. É também chamada de gongorismo porque nele é clara a influência do poeta espanhol Luís de Gongora (1561-1627).
b) Conceptismo: Que ocorre sobretudo na prosa e torna a literatura um jogo retórico de ideias, de conceitos, por meio do raciocínio e da lógica. Nesse trecho do Sermão da Sexagésima, Vieira por meio de ideias logicamente estruturadas, discute a sutil ideia entre o substantivo (nome) e a ação, a única que pode transformar, converter o mundo.

Alguns Poetas:
Padre Antônio Vieira (1608-1697)
É o autor de "Os Sermões", obra notável, produzida para a posteridade, trabalho capital da literatura do século XVII. Veio para o Brasil com seus pais, com a idade de sete anos. Estudou com os jesuítas, fazendo o noviciado durante três anos na Companhia de Jesus. Esteve na Europa até 1681, quando voltou a Bahia, onde faleceu em 1697. Nasceu em Lisboa em 1608. Um dia, ao rezar, teria sentido forte abalo cerebral, o popular "estado do padre Vieira". Em muitos dos seus sermões, pregou violentamente contra os senhores da terra que violentavam os índios.

Francisco Rodrigues Lobo (1580-1621)
Foi um dos escritores que mais se destacaram na formação do estilo barroco na Península. Quase todos os textos são em castelhano, demonstrando a influência de Gôngora. Em Corte na Aldeia faz uma espécie de teoria do Barroco.

D. Francisco Manuel de Melo (1608-1666)
Sua obra compreende poesia, historiografia, teatro, biografia, literatura moralista e epistolografia. Sua poesia é gongórica, mas revela influências clássicas de Camões e Sá de Miranda. Como historiador, relatou fatos que viveu (teve uma vida bastante agitada e variada a que não faltaram crime passional, degredo, carreira diplomática). Sua intenção é oferecer ensinamentos práticos para militares e diplomatas. Seguindo a linha do teatro vicentino, escreveu a comédia Auto do Fidalgo Aprendiz em que relata o burguês que quer afidalgar-se. As cartas, de tom conservador, têm um caráter moralista e doutrinário. Destacam-se Cartas Familiares e Carta de Guia dos Casados.

Padre Manuel Bernardes (1644-1710)
Nova Floresta é sua obra mais conhecida. Nela Bernardes recorre a um processo didático de organizar alfabeticamente virtudes e pecados e contar ou dar um exemplo para ser compreendido pelo leitor.

Antônio José da Silva "o judeu" (1705-1739)
Depois de Gil Vicente, o teatro entrou em decadência em Portugal. Foi preciso esperar até o Barroco para que Antônio José da Silva alterasse esse quadro.
Brasileiro, de uma família de cristãos-novos, aos oito anos foi para Lisboa.
Acusando-o de judaísmo, a Inquisição o condena a morrer degolado e queimado.
Suas comédias, nas quais utilizava bonecos (títeres ou marionetes), eram por ele chamadas de óperas, pois se faziam acompanhar de música e canto. Ele sofreu influência de Gil Vicente, da comédia clássica e do teatro francês, italiano e espanhol da época. A grande inovação foi ter escrito suas peças em prosa. Guerras do Alecrim e Manjerona é sua obra mais conhecida.

Sóror Mariana Alcoforado (1640-1723)
Religiosa portuguesa apaixonada por um general francês que serviu em Portugal, Sóror Mariana revela em suas Cartas Portuguesas a bipolaridade barroca: o aspecto racional (que lhe diz para esquecer o amante) e a súplica sentimental para que ele volte.

Frei Luís de Sousa (1555-1632)
Sua obra mais brilhante é Vida de Frei Bartolomeu dos Mártires. Ele ficou famoso, no entanto, pelos lances trágicos que deram vida ao romântico Almeida Garrett para a peça Frei Luís de Sousa.
Manuel de Sousa Coutinho (nome de batismo) casou-se com D. Madalena Vilhena, viúva de D. João de Portugal, supostamente morto na batalha de Alcácer-Quibir, e tiveram uma filha. No entanto D. João volta a Portugal e a filha do casal morre, o que é visto como castigo pelo casamento adúltero. Manuel e Madalena decidem, então, entrar para o convento.

O Barroco em Portugal (1580-1756)
A palavra barroco designa, de modo geral, as várias manifestações artísticas do século XVII e início do século XVIII: na arquitetura, na literatura, na música, na escultura, etc. Suas características são:
Nas Artes Em Geral
• valorização do espiritual (o classicismo anterior revalorizou os ideais pagãos);
• exagero de detalhes, cores vivas;
• jogo de sombras e de luzes;
• linhas diagonais, curvas e assimétricas;

Na Literatura
a) Quanto a escolha dos temas o Barroco preocupou-se com: a brevidade da vida, o pessimismo perante a vida, a morte, a religião como alívio para as angústias.
b) Quanto à linguagem, é frequentemente no Barroco o emprego de:
• antíteses;
• comparações;
• trocadilhos e inversões;
• metáforas;
• frases interrogativas;
• vocabulário elevado e rico;
• gradação de palavras;
• repetições constantes;
• dubiedade de sentidos (ambiguidade, duplo sentido).

Principais Autores Portugueses
Os principais autores portugueses são: Padre Antônio Vieira, Francisco Manuel de Melo, Francisco Rodrigues Lobo, Antônio Josué da Silva (o judeu), Sóror Mariana Alcoforado e Padre Manuel Bernardes.
O mais representativo deles foi o Padre Antônio Vieira, que pertenceu tanto ao Barroco português quanto ao Barroco brasileiro. É, na prosa, a figura barroca mais eminente.
Padre Antônio Vieira
O Padre Antônio Vieira nasceu em Lisboa, em 1608, e faleceu na Bahia, em 1697.
São obras suas: História do futuro, Esperanças de Portugal, cerca de 500 cartas e os famosos Sermões (cerca de 200). Nos Sermões, Vieira abandona vários assuntos: a questão dos índios escravizados (Sermão de Santo Antônio), a invasão holandesa no Brasil, em 1640, a arte de pregar, a política, problemas sociais, etc.
Participou ativamente dos problemas sociais da sua época, colocou-se contra os colonos que escravizavam os índios, defendeu os judeus, lutou contra a inquisição, exerceu funções diplomáticas no estrangeiro.
Ninguém melhor para traçar o retrato de Vieira do que um dos maiores escritores de Portugal, Eça de Queirós:

A sua existência foi uma das mais ativas
e ilustres do seu tempo. Grande pregador,
grande político, grande escritor, missionário,
grande colonizador, esteve envolvido nos
maiores negócios, tratou com os maiores personagens
e trabalhou pelas maiores ideias da sua época.
Os seus magníficos Sermões arrebatavam
tanto a gente inculta do Brasil, como encantavam
em Roma o Sábio e requintado mundo
dos Prelados romanos. A sua forma estendeu-se
por toda a Europa. Depois de ser confidente
dos reis e dos papas, de ter conhecido
as grandezas do mundo e as do alto saber, 
morreu com a pobreza e a simplicidade
de um místico na capital da Bahia.

Vamos conhecer agora um texto de Vieira. 

A Guerra
É a guerra aquele monstro que se sustenta
das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto 
mais come e consome, tanto menos se farta.
É a guerra aquela tempestade terrestre, que
leva os campos, as casas, as vidas, os castelos,
as cidades, e talvez em um momento sorve os 
reinos e as monarquias inteiras. É a guerra aquela 
calamidade composta de todas as calamidades,
em que não há mal algum que, ou se não 
padeça, ou se não tema; nem bem 
que seja próprio e seguro. O pai não tem seguro, 
O rico não tem segura a fazenda, o pobre 
não tem seguro o seu amor, o nobre não 
tem segura a honra, o eclesiástico não tem 
segura a imunidade, o religioso não tem 
segura a sua cela; e até Deus nos templos 
                               e nos sacrários não está seguro.                       Sermões.

Barroco (1580-1756)
Portugal do século XVI sofria com o domínio espanhol e, aos poucos, tentavam buscar a sua autonomia política para desenvolver com autonomia atividades econômicas e culturais. Esse período ficou conhecido como "processo de restauração". Influenciados pelo gongorismo (excesso de palavras) e o maneirismo (tentativa de imitar o estilo de algum autor), predomina uma literatura, com raras exceções, de qualidade duvidosa, sem muita inspiração. Surgem muitas academias literárias, lugares de discussões e divulgação de ideias culturais. Destacam-se nesse período Dom Francisco Manuel de Melo (poesia), Padre Antônio Vieira (sermões), Padre Antônio Bernardes (anedotas e lendas).
O Barroco tem como característica o excesso de figuras de linguagem (cultismo), o jogo de ideias (conceptismo), a dualidade ente a fé e a razão, o jogo do claro e o escuro (especialmente nas artes plásticas), o exagero de metáforas, hipérboles e hipérbatos.


 Padre Antônio Vieira (1608-1697)




 Barroco (1580 e 1756)

Europa como centro do mundo. 
Decadência Portuguesa. Integração de Portugal a Espanha (1580). Sebastianismo.
Crise religiosa – Reforma Protestante.
Aspecto profano do humanismo e aparente estabilidade das estruturas sociais.
Busca pela perfeição formal e o rebuscamento.
Padre Antônio Vieira: sermões = cunho moral. O conflito entre matéria e espírito.


Pe. Antônio Vieira
“mestre em oratória”.
Sermão da Sexagésima

“Para quem lavra com Deus até
o sair é semear, porque também das passadas colhe fruto. Entre
os semeadores do Evangelho há uns que saem a semear, há outros
que semeiam sem sair. Os que saem a semear são os que vão
pregar à Índia, à China, ao Japão; os que semeiam sem sair, são
os que se contentam com pregar na Pátria. Todos terão sua razão,
mas tudo tem sua conta. Aos que têm a seara em casa,
pagar-lhes-ão a semeadura; aos que vão buscar a seara tão longe, 
hão-lhes de medir a semeadura e hão-lhes de contar os passos. Ah
Dia do Juízo! Ah pregadores! Os de cá, achar-vos-eis com mais paço; os de lá, com mais
passos: Exiit seminare.


Referências→ Escola Viva, Programa de Pesquisa e Apoio Escolar, O Tesouro do Estudante, Multimídia Multicolor 2003, Nível Médio e Fundamental. Ensino Global
Literaturas de Língua Portuguesa. Trovadorismo ao Modernismo
Sistema de Ensino IBEP. Apostila Língua Portuguesa - Antônio de Siqueira e Silva• Rafael Bertolin
Pontes, Marta. Minimanual de Redação e Literatura / Marta Pontes - São Paulo: DCL, 2010.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Literatura Brasileira - Quinhentismo (Literatura de Informação e Jesuítica)

Literatura Brasileira - Quinhentismo

Quinhentismo
A literatura do século XVI foi uma literatura sobre o Brasil. Refletindo ideias do Renascimento e da contra-reforma, traduziu o espírito de aventura, a sedução do exótico, o expansionismo geográfico e a propagação da cristandade.

Contexto Histórico
A Europa do século XVI assistiu a desestruturação da sociedade feudal. Os florescentes centros urbanos atraíam a população rural. Neles desenvolveram-se o comércio, que propiciou o aparecimento da burguesia mercantil. Ela financiou as grandes navegações, cujo objetivo era a procura de novos mercados produtores e consumidores.
Portugal gozava de uma situação privilegiada: a precoce centralização política na figura do rei, a posição geográfica estratégica ( seus pontos eram passagem obrigatória entre as cidades italianas, que monopolizavam o comércio do Oriente, e o norte da Europa), a rápida formação de uma burguesia mercantil, a Escola de Sagres, o mais completo e inovador centro de estudos náuticos da época, propiciaram a expansão de Portugal na procura de novas rotas comerciais, uma vez que o comércio no Mediterrâneo era monopólio das cidades italianas. Essa expansão iniciou-se com a Tomada de Celta, em 1415, e estendeu-se, da conquista e colonização da África e da Ásia, até a descoberta do Brasil.
No entanto o Feudalismo não foi minado somente pelo aparecimento da burguesia mercantil, mas também pela Reforma protestante, que atraiu a mesma burguesia.. A reação da igreja não se fez esperar e a Contra-Reforma, sustentada pela Companhia de Jesus, iniciou um movimento de conquista espiritual.
Grandes Navegações e a Contra-Reforma determinaram as duas tendências da produção literária do século XVI:
a) preocupação com a conquista material: literatura informativa que descreve as riquezas da terra;
b) preocupação com a conquista espiritual: literatura dos jesuítas, voltada para a catequese do índio e para a orientação moral e espiritual dos colonos.

A Literatura Informativa
Em 1500 Cabral descobriu o Brasil, e Pero Vaz de Caminha, cronista de sua armada, escreveu a "Carta a El Rei Dom Manuel sobre o achamento do Brasil", documento que marca o início da literatura brasileira.
Portugal, no entanto, não explorou de imediato a nova terra. Interessado no ouro da África e no comércio garantido com o Oriente, de onde vinham especiarias, sedas e pedrarias, arrendou a exploração da costa brasileira a comerciantes que exploravam o pau-brasil, mas que eram importantes para evitar ataques de estrangeiros.
Endividado com os investimentos nas viagens ao Oriente, Portugal iniciou a colonização do Brasil com a expedição de Martins Afonso de Sousa, em 1530, esperamos aqui encontrar metais e pedras preciosas.
Nesse cenário, cronistas portugueses e estrangeiros escreveram textos que revelam seu deslumbramento frente a terra tropical, exótica e misteriosa. Não são textos propriamente literários, mas têm um valor documental inestimável para história de nossos primeiros tempos e já contêm um sentimento nativista, que encontrará sua expansão máxima no Romantismo.
Pero Vaz de Caminha
Com a Carta, de 1º de maio de 1500, Caminha fundou a literatura brasileira. Numa linguagem pitoresca e agradável, que revela um observador minucioso, relatou ao rei D. Manuel tudo o que vira na nova terra.
Neste texto podemos perceber os dois objetivos que nortearam as grandes navegações: conquista de bens materiais (ouro, prata e metais) e conquista espiritual (conversão dos indígenas e dilatação da fé cristã).

A Literatura dos Jesuítas
Desde que chegaram a Bahia, em 1549, com Tomé de Sousa, o primeiro governador-geral do Brasil, os Jesuítas, comandados pelo Padre Manuel da Nóbrega, incumbiram-se de catequizar os indígenas, educar e dar orientação moral e espiritual aos colonizadores. Escreveram poesia, teatro pedagógico, sermões e cartas, nas quais informavam os superiores da Companhia de Jesus sobre o desenvolvimento de seus trabalhos na Colônia.

Padre José de Anchieta
O fundador de São Paulo chegou ao Brasil em 1553 com o segundo governador-geral, D. Duarte da Costa. Foi uma das figuras mais importantes do século XVI pela importância literária de sua obra e por ter sido o primeiro a escrever para brasileiros.
Sempre com intensão pedagógica produziu, sermões, (autos de inspiração medieval, seguindo o modelo de Gil Vicente) e poemas, simples e ingênuos mas cheios de lirismo, dentre os quais se destaca "De Beatra Virgine Dei Matre Maria" ("Poema a Virgem").
Devido à intenção didática de seus textos, usa linguagem de fácil assimilação e imagens claras. Anchieta escreveu em latim, tupi e português e foi o autor da primeira gramática em língua tupi: A Arte da Gramática da Língua mais usada na Costa do Brasil.

Literatura Informativa sobre o Brasil (1500-1601)
Literatura informativa são informações que viajantes e missionários europeus divulgaram sobre a natureza e o homem brasileiro.
Da literatura informativa merecem destaque:
a) Carta de Pero Vaz de Caminha a el-rei D. Manuel.
b) Diário de Navegação de Pero Lopes de Sousa.
c) Tratado da Terra do Brasil e a História de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil, de Pero Magalhães Gândavo (1576).
d) Narrativa Epistolar e Tratados da Terra e da Gente do Brasil, do Jesuíta Fernão Gardim (a primeira certamente de 1583).
e) Tratado Descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa (1587).
f) Diálogos das Grandezas do Brasil, de Ambrósio Fernandes Brandão (1618).
g) Cartas dos missionários Jesuítas escritas nos dois primeiros séculos de catequese, dando informações sobre a terra e os costumes.
h) Diálogo sobre a conversão dos gentios, do Padre Manuel da Nóbrega.
i) História do Brasil, de Frei Vicente de Salvador (1627).

Os  jesuítas da época especialmente Padre Manuel da Nóbrega e Padre José de Anchieta, escreveram cartas missionárias, em que registram informações sobre a terra e os costumes. Destaca-se Anchieta por seus poemas religiosos e suas peças de teatro com finalidade catequética, que eram representadas pelos índios.

Deus, Meu Criador
Não há cousa segura.
Tudo quanto se vê
Se vai passando.
A vida não tem dura.
O bem vai se gastando.
Toda criatura
passa voando.
Contente assim, minh'alma,
do doce amor de Deus
toda ferida,
o mundo deixa em calma,
buscando a outra vida,
na qual deseja ser
                                                          absorvida.                                  Padre José de Anchieta


Literatura Brasileira






ESTILOS DE ÉPOCA NA LITERATURA BRASILEIRA



Quinhentismo /Literatura de Informação
Barroco
Arcadismo
Romantismo
Realismo
Naturalismo
Parnasianismo
Simbolismo
Pré-Modernismo
Modernismo
1500
1601
1768
1836
1881
1893
1902
1922

Literatura de Informação ou Jesuítica (1500-1601)
A literatura de informação se inicia com a Carta de Pero Vaz de Caminha (1500), considerada a nossa "certidão de nascimento".
Em relação à literatura do início do século XVI devemos ressaltar alguns aspectos: primeiro, é uma literatura produzida sobre o Brasil e não por brasileiros, já que, os escritores eram portugueses que chegaram aqui nas primeiras expedições às nossas terras. Tinha como objetivo informar o povo português sobre as características da terra, suas possibilidades mercantis, e sobre os nativos que aqui viviam. Esses textos possuem valor mais histórico/documental que literário.
Destacam-se Pero Vaz de Caminha, Pero de Magalhães Gândova, Hans Staden e Jean de Lery.
Já a Literatura Jesuítica, como o nome já diz, tinha a missão de relatar os fatos da catequização dos índios. Nesses relatos, encontramos fortes documentos sobre a vida das colônias aqui formadas nesse período. Os jesuítas mostravam costumes dos nativos como poligamia, nudez, politeísmo e a antropofagia. Por outro lado, os jesuítas sabiam da necessidade de se criticar também a exploração e a escravidão realizada pelos colonizadores portugueses. Para eles, o pecado não escolhia cor ou raça e a conversão seria a única forma de salvação.
Destacam-se na Literatura Jesuítica Padre Manuel da Nóbrega e Padre José de Anchieta.



Pero Vaz de Caminha lê para o comandante Pedro Álvares Cabral, o Frei Henrique de Coimbra e o mestre João a carta que será enviada ao rei D. Manuel I.







Carta de Pero Vaz de Caminha



Senhor,

posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem contar e falar -- o saiba pior que todos fazer!

Todavia tome Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade, a qual bem certo creia que, para aformosentar nem afear, aqui não há de pôr mais do que aquilo que vi e me pareceu.

Da marinhagem e das singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza -- porque o não saberei fazer -- e os pilotos devem ter este cuidado.

E portanto, Senhor, do que hei de falar começo:

E digo quê:

A partida de Belém foi -- como Vossa Alteza sabe, segunda-feira 9 de março. E sábado, 14 do dito mês, entre as 8 e 9 horas, nos achamos entre as Canárias, mais perto da Grande Canária. E ali andamos todo aquele dia em calma, à vista delas, obra de três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, às dez horas mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, a saber da ilha de São Nicolau, segundo o dito de Pero Escolar, piloto.

Na noite seguinte à segunda-feira amanheceu, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com a sua nau, sem haver tempo forte ou contrário para poder ser !

Fez o capitão suas diligências para o achar, em umas e outras partes. Mas... não apareceu mais !

E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, topamos alguns sinais de terra, estando da dita Ilha -- segundo os pilotos diziam, obra de 660 ou 670 léguas -- os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, e assim mesmo outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam furabuchos.

Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz!

Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças. E ao sol-posto umas seis léguas da terra, lançamos ancoras, em dezenove braças -- ancoragem limpa. Ali ficamo-nos toda aquela noite. E quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos em direitura à terra, indo os navios pequenos diante -- por dezessete, dezesseis, quinze, catorze, doze, nove braças -- até meia légua da terra, onde todos lançamos ancoras, em frente da boca de um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às dez horas, pouco mais ou menos.

E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos que chegaram primeiro.

Então lançamos fora os batéis e esquifes. E logo vieram todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor. E ali falaram. E o Capitão mandou em terra a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou a ir-se para lá, acudiram pela praia homens aos dois e aos três, de maneira que, quando o batel chegou à boca do rio, já lá estavam dezoito ou vinte.

Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde deles haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa. Somente arremessou-lhe um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza. E com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar.

À noite seguinte ventou tanto sueste com chuvaceiros que fez caçar as naus. E especialmente a Capitaina. E sexta pela manhã, às oito horas, pouco mais ou menos, por conselho dos pilotos, mandou o Capitão levantar ancoras e fazer vela. E fomos de longo da costa, com os batéis e esquifes amarrados na popa, em direção norte, para ver se achávamos alguma abrigada e bom pouso, onde nós ficássemos, para tomar água e lenha. Não por nos já minguar, mas por nos prevenirmos aqui. E quando fizemos vela estariam já na praia assentados perto do rio obra de sessenta ou setenta homens que se haviam juntado ali aos poucos. Fomos ao longo, e mandou o Capitão aos navios pequenos que fossem mais chegados à terra e, se achassem pouso seguro para as naus, que amainassem.

E velejando nós pela costa, na distância de dez léguas do sítio onde tínhamos levantado ferro, acharam os ditos navios pequenos um recife com um porto dentro, muito bom e muito seguro, com uma mui larga entrada. E meteram-se dentro e amainaram. E as naus foram-se chegando, atrás deles. E um pouco antes de sol-pôsto amainaram também, talvez a uma légua do recife, e ancoraram a onze braças.

E estando Afonso Lopez, nosso piloto, em um daqueles navios pequenos, foi, por mandado do Capitão, por ser homem vivo e destro para isso, meter-se logo no esquife a sondar o porto dentro. E tomou dois daqueles homens da terra que estavam numa almadia: mancebos e de bons corpos. Um deles trazia um arco, e seis ou sete setas. E na praia andavam muitos com seus arcos e setas; mas não os aproveitou. Logo, já de noite, levou-os à Capitaina, onde foram recebidos com muito prazer e festa.

A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber.

Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados todavia por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte, na parte detrás, uma espécie de cabeleira, de penas de ave amarela, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição branda como, de maneira tal que a cabeleira era mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.

O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, aos pés uma alcatifa por estrado; e bem vestido, com um colar de ouro, mui grande, ao pescoço. E Sancho de Tovar, e Simão de Miranda, e Nicolau Coelho, e Aires Corrêa, e nós outros que aqui na nau com ele íamos, sentados no chão, nessa alcatifa. Acenderam-se tochas. E eles entraram. Mas nem sinal de cortesia fizeram, nem de falar ao Capitão; nem a alguém. Todavia um deles fitou o colar do Capitão, e começou a fazer acenos com a mão em direção à terra, e depois para o colar, como se quisesse dizer-nos que havia ouro na terra. E também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata!

Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os houvesse ali.

Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele.

Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão. Depois lhe pegaram, mas como espantados.

Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel, figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora.

Trouxeram-lhes vinho em uma taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram dele nada, nem quiseram mais.

Trouxeram-lhes água em uma albarrada, provaram cada um o seu bochecho, mas não beberam; apenas lavaram as bocas e lançaram-na fora.

Viu um deles umas contas de rosário, brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do Capitão, como se dariam ouro por aquilo.

Isto tomávamos nós nesse sentido, por assim o desejarmos! Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não queríamos nós entender, por que lho não havíamos de dar! E depois tornou as contas a quem lhas dera. E então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir sem procurarem maneiras de encobrir suas vergonhas, as quais não eram fanadas; e as cabeleiras delas estavam bem rapadas e feitas.

O Capitão mandou pôr por baixo da cabeça de cada um seu coxim; e o da cabeleira esforçava-se por não a estragar. E deitaram um manto por cima deles; e consentindo, aconchegaram-se e adormeceram.

Sábado pela manhã mandou o Capitão fazer vela, fomos demandar a entrada, a qual era mui larga e tinha seis a sete braças de fundo. E entraram todas as naus dentro, e ancoraram em cinco ou seis braças -- ancoradouro que é tão grande e tão formoso de dentro, e tão seguro que podem ficar nele mais de duzentos navios e naus. E tanto que as naus foram distribuídas e ancoradas, vieram os capitães todos a esta nau do Capitão-mor. E daqui mandou o Capitão que Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias fossem em terra e levassem aqueles dois homens, e os deixassem ir com seu arco e setas, aos quais mandou dar a cada um uma camisa nova e uma carapuça vermelha e um rosário de contas brancas de osso, que foram levando nos braços, e um cascavel e uma campainha. E mandou com eles, para lá ficar, um mancebo degredado, criado de dom João Telo, de nome Afonso Ribeiro, para lá andar com eles e saber de seu viver e maneiras. E a mim mandou que fosse com Nicolau Coelho. Fomos assim de frecha direitos à praia. Ali acudiram logo perto de duzentos homens, todos nus, com arcos e setas nas mãos. Aqueles que nós levamos acenaram-lhes que se afastassem e depusessem os arcos. E eles os depuseram. Mas não se afastaram muito. E mal tinham pousado seus arcos quando saíram os que nós levávamos, e o mancebo degredado com eles. E saídos não pararam mais; nem esperavam um pelo outro, mas antes corriam a quem mais correria. E passaram um rio que aí corre, de água doce, de muita água que lhes dava pela braga. E muitos outros com eles. E foram assim correndo para além do rio entre umas moitas de palmeiras onde estavam outros. E ali pararam. E naquilo tinha ido o degredado com um homem que, logo ao sair do batel, o agasalhou e levou até lá. Mas logo o tornaram a nós. E com ele vieram os outros que nós leváramos, os quais vinham já nus e sem carapuças.

E então se começaram de chegar muitos; e entravam pela beira do mar para os batéis, até que mais não podiam. E traziam cabaças d'água, e tomavam alguns barris que nós levávamos e enchiam-nos de água e traziam-nos aos batéis. Não que eles de todo chegassem a bordo do batel. Mas junto a ele, lançavam-nos da mão. E nós tomávamo-los. E pediam que lhes dessem alguma coisa.

Levava Nicolau Coelho cascavéis e manilhas. E a uns dava um cascavel, e a outros uma manilha, de maneira que com aquela encarna quase que nos queriam dar a mão. Davam-nos daqueles arcos e setas em troca de sombreiros e carapuças de linho, e de qualquer coisa que a gente lhes queria dar.

Dali se partiram os outros, dois mancebos, que não os vimos mais.

Dos que ali andavam, muitos -- quase a maior parte --traziam aqueles bicos de osso nos beiços.

E alguns, que andavam sem eles, traziam os beiços furados e nos buracos traziam uns espelhos de pau, que pareciam espelhos de borracha. E alguns deles traziam três daqueles bicos, a saber um no meio, e os dois nos cabos.

E andavam lá outros, quartejados de cores, a saber metade deles da sua própria cor, e metade de tintura preta, um tanto azulada; e outros quartejados d'escaques.

Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se envergonhavam.

Ali por então não houve mais fala ou entendimento com eles, por a barbana deles ser tamanha que se não entendia nem ouvia ninguém. Acenamos-lhes que se fossem. E assim o fizeram e passaram-se para além do rio. E saíram três ou quatro homens nossos dos batéis, e encheram não sei quantos barris d'água que nós levávamos. E tornamo-nos às naus. E quando assim vínhamos, acenaram-nos que voltássemos. Voltamos, e eles mandaram o degredado e não quiseram que ficasse lá com eles, o qual levava uma bacia pequena e duas ou três carapuças vermelhas para lá as dar ao senhor, se o lá houvesse. Não trataram de lhe tirar coisa alguma, antes mandaram-no com tudo. Mas então Bartolomeu Dias o fez outra vez tornar, que lhe desse aquilo. E ele tornou e deu aquilo, em vista de nós, a aquele que o da primeira agasalhara. E então veio-se, e nós levamo-lo.

Esse que o agasalhou era já de idade, e andava por galanteria, cheio de penas, pegadas pelo corpo, que parecia seteado como São Sebastião. Outros traziam carapuças de penas amarelas; e outros, de vermelhas; e outros de verdes. E uma daquelas moças era toda tingida de baixo a cima, daquela tintura e certo era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha tão graciosa que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhe tais feições envergonhara, por não terem as suas como ela. Nenhum deles era fanado, mas todos assim como nós.

E com isto nos tornamos, e eles foram-se.

À tarde saiu o Capitão-mor em seu batel com todos nós outros capitães das naus em seus batéis a folgar pela baía, perto da praia. Mas ninguém saiu em terra, por o Capitão o não querer, apesar de ninguém estar nela. Apenas saiu -- ele com todos nós -- em um ilhéu grande que está na baía, o qual, aquando baixamar, fica mui vazio. Com tudo está de todas as partes cercado de água, de sorte que ninguém lá pode ir, a não ser de barco ou a nado. Ali folgou ele, e todos nós, bem uma hora e meia. E pescaram lá, andando alguns marinheiros com um chinchorro; e mataram peixe miúdo, não muito. E depois volvemo-nos às naus, já bem noite.

Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão ir ouvir missa e sermão naquele ilhéu. E mandou a todos os capitães que se arranjassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou armar um pavilhão naquele ilhéu, e dentro levantar um altar mui bem arranjado. E ali com todos nós outros fez dizer missa, a qual disse o padre frei Henrique, em voz entoada, e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes que todos assistiram, a qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção.

Ali estava com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saíra de Belém, a qual esteve sempre bem alta, da parte do Evangelho.

Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação, da história evangélica; e no fim tratou da nossa vida, e do achamento desta terra, referindo-se à Cruz, sob cuja obediência viemos, que veio muito a propósito, e fez muita devoção.

Enquanto assistimos à missa e ao sermão, estaria na praia outra tanta gente, pouco mais ou menos, como a de ontem, com seus arcos e setas, e andava folgando. E olhando-nos, sentaram. E depois de acabada a missa, quando nós sentados atendíamos a pregação, levantaram-se muitos deles e tangeram corno ou buzina e começaram a saltar e dançar um pedaço. E alguns deles se metiam em almadias -- duas ou três que lá tinham -- as quais não são feitas como as que eu vi; apenas são três traves, atadas juntas. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam, não se afastando quase nada da terra, só até onde podiam tomar pé.

Acabada a pregação encaminhou-se o Capitão, com todos nós, para os batéis, com nossa bandeira alta. Embarcamos e fomos indo todos em direção à terra para passarmos ao longo por onde eles estavam, indo na dianteira, por ordem do Capitão, Bartolomeu Dias em seu esquife, com um pau de uma almadia que lhes o mar levara, para o entregar a eles. E nós todos trás dele, a distância de um tiro de pedra.

Como viram o esquife de Bartolomeu Dias, chegaram-se logo todos à água, metendo-se nela até onde mais podiam. Acenaram-lhes que pousassem os arcos e muitos deles os iam logo pôr em terra; e outros não os punham.

Andava lá um que falava muito aos outros, que se afastassem. Mas não já que a mim me parecesse que lhe tinham respeito ou medo. Este que os assim andava afastando trazia seu arco e setas. Estava tinto de tintura vermelha pelos peitos e costas e pelos quadris, coxas e pernas até baixo, mas os vazios com a barriga e estômago eram de sua própria cor. E a tintura era tão vermelha que a água lha não comia nem desfazia. Antes, quando saía da água, era mais vermelho. Saiu um homem do esquife de Bartolomeu Dias e andava no meio deles, sem implicarem nada com ele, e muito menos ainda pensavam em fazer-lhe mal. Apenas lhe davam cabaças d'água; e acenavam aos do esquife que saíssem em terra. Com isto se volveu Bartolomeu Dias ao Capitão. E viemo-nos às naus, a comer, tangendo trombetas e gaitas, sem os mais constranger. E eles tornaram-se a sentar na praia, e assim por então ficaram.

Neste ilhéu, onde fomos ouvir missa e sermão, espraia muito a água e descobre muita areia e muito cascalho. Enquanto lá estávamos foram alguns buscar marisco e não no acharam. Mas acharam alguns camarões grossos e curtos, entre os quais vinha um muito grande e muito grosso; que em nenhum tempo o vi tamanho. Também acharam cascas de berbigões e de amêijoas, mas não toparam com nenhuma peça inteira. E depois de termos comido vieram logo todos os capitães a esta nau, por ordem do Capitão-mor, com os quais ele se aportou; e eu na companhia. E perguntou a todos se nos parecia bem mandar a nova do achamento desta terra a Vossa Alteza pelo navio dos mantimentos, para a melhor mandar descobrir e saber dela mais do que nós podíamos saber, por irmos na nossa viagem.

E entre muitas falas que sobre o caso se fizeram foi dito, por todos ou a maior parte, que seria muito bem. E nisto concordaram. E logo que a resolução foi tomada, perguntou mais, se seria bem tomar aqui por força um par destes homens para os mandar a Vossa Alteza, deixando aqui em lugar deles outros dois destes degredados.

E concordaram em que não era necessário tomar por força homens, porque costume era dos que assim à força levavam para alguma parte dizerem que há de tudo quanto lhes perguntam; e que melhor e muito melhor informação da terra dariam dois homens desses degredados que aqui deixássemos do que eles dariam se os levassem por ser gente que ninguém entende. Nem eles cedo aprenderiam a falar para o saberem tão bem dizer que muito melhor estoutros o não digam quando cá Vossa Alteza mandar.

E que portanto não cuidássemos de aqui por força tomar ninguém, nem fazer escândalo; mas sim, para os de todo amansar e apaziguar, unicamente de deixar aqui os dois degredados quando daqui partíssemos.

E assim ficou determinado por parecer melhor a todos.

Acabado isto, disse o Capitão que fôssemos nos batéis em terra. E ver-se-ia bem, quejando era o rio. Mas também para folgarmos.

Fomos todos nos batéis em terra, armados; e a bandeira conosco. Eles andavam ali na praia, à boca do rio, para onde nós íamos; e, antes que chegássemos, pelo ensino que dantes tinham, puseram todos os arcos, e acenaram que saíssemos. Mas, tanto que os batéis puseram as proas em terra, passaram-se logo todos além do rio, o qual não é mais ancho que um jogo de mancal. E tanto que desembarcamos, alguns dos nossos passaram logo o rio, e meteram-se entre eles. E alguns aguardavam; e outros se afastavam. Com tudo, a coisa era de maneira que todos andavam misturados. Eles davam desses arcos com suas setas por sombreiros e carapuças de linho, e por qualquer coisa que lhes davam. Passaram além tantos dos nossos e andaram assim misturados com eles, que eles se esquivavam, e afastavam-se; e iam alguns para cima, onde outros estavam. E então o Capitão fez que o tomassem ao colo dois homens e passou o rio, e fez tornar a todos. A gente que ali estava não seria mais que aquela do costume. Mas logo que o Capitão chamou todos para trás, alguns se chegaram a ele, não por o reconhecerem por Senhor, mas porque a gente, nossa, já passava para aquém do rio. Ali falavam e traziam muitos arcos e continhas, daquelas já ditas, e resgatavam-nas por qualquer coisa, de tal maneira que os nossos levavam dali para as naus muitos arcos, e setas e contas.

E então tornou-se o Capitão para aquém do rio. E logo acudiram muitos à beira dele.

Ali veríeis galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim pelos corpos como pelas pernas, que, certo, assim pareciam bem. Também andavam entre eles quatro ou cinco mulheres, novas, que assim nuas, não pareciam mal. Entre elas andava uma, com uma coxa, do joelho até o quadril e a nádega, toda tingida daquela tintura preta; e todo o resto da sua cor natural. Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência assim descobertas, que não havia nisso desvergonha nenhuma.

Também andava lá outra mulher, nova, com um menino ou menina, atado com um pano aos peitos, de modo que não se lhe viam senão as perninhas. Mas nas pernas da mãe, e no resto, não havia pano algum.

Em seguida o Capitão foi subindo ao longo do rio, que corre rente à praia. E ali esperou por um velho que trazia na mão uma pá de almadia. Falou, enquanto o Capitão estava com ele, na presença de todos nós; mas ninguém o entendia, nem ele a nós, por mais coisas que a gente lhe perguntava com respeito a ouro, porque desejávamos saber se o havia na terra.

Trazia este velho o beiço tão furado que lhe cabia pelo buraco um grosso dedo polegar. E trazia metido no buraco uma pedra verde, de nenhum valor, que fechava por fora aquele buraco. E o Capitão lha fez tirar. E ele não sei que diabo falava e ia com ela para a boca do Capitão para lha meter. Estivemos rindo um pouco e dizendo chalaças sobre isso. E então enfadou-se o Capitão, e deixou-o. E um dos nossos deu-lhe pela pedra um sombreiro velho; não por ela valer alguma coisa, mas para amostra. E depois houve-a o Capitão, creio, para mandar com as outras coisas a Vossa Alteza.

Andamos por aí vendo o ribeiro, o qual é de muita água e muito boa. Ao longo dele há muitas palmeiras, não muito altas; e muito bons palmitos. Colhemos e comemos muitos deles.

Depois tornou-se o Capitão para baixo para a boca do rio, onde tínhamos desembarcado.

E além do rio andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante os outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no bem. Passou-se então para a outra banda do rio Diogo Dias, que fora almoxarife de Sacavém, o qual é homem gracioso e de prazer. E levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se a dançar com eles, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam e andavam com ele muito bem ao som da gaita. Depois de dançarem fez ali muitas voltas ligeiras, andando no chão, e salto real, de que se eles espantavam e riam e folgavam muito. E conquanto com aquilo os segurou e afagou muito, tomavam logo uma esquiveza como de animais montezes, e foram-se para cima.

E então passou o rio o Capitão com todos nós, e fomos pela praia, de longo, ao passo que os batéis iam rentes à terra. E chegamos a uma grande lagoa de água doce que está perto da praia, porque toda aquela ribeira do mar é apaulada por cima e sai a água por muitos lugares.

E depois de passarmos o rio, foram uns sete ou oito deles meter-se entre os marinheiros que se recolhiam aos batéis. E levaram dali um tubarão que Bartolomeu Dias matou. E levavam-lho; e lançou-o na praia.

Bastará que até aqui, como quer que se lhes em alguma parte amansassem, logo de uma mão para outra se esquivavam, como pardais do cevadouro. Ninguém não lhes ousa falar de rijo para não se esquivarem mais. E tudo se passa como eles querem -- para os bem amansarmos !

Ao velho com quem o Capitão havia falado, deu-lhe uma carapuça vermelha. E com toda a conversa que com ele houve, e com a carapuça que lhe deu tanto que se despediu e começou a passar o rio, foi-se logo recatando. E não quis mais tornar do rio para aquém. Os outros dois o Capitão teve nas naus, aos quais deu o que já ficou dito, nunca mais aqui apareceram -- fatos de que deduzo que é gente bestial e de pouco saber, e por isso tão esquiva. Mas apesar de tudo isso andam bem curados, e muito limpos. E naquilo ainda mais me convenço que são como aves, ou alimárias montezinhas, as quais o ar faz melhores penas e melhor cabelo que às mansas, porque os seus corpos são tão limpos e tão gordos e tão formosos que não pode ser mais! E isto me faz presumir que não tem casas nem moradias em que se recolham; e o ar em que se criam os faz tais. Nós pelo menos não vimos até agora nenhumas casas, nem coisa que se pareça com elas.

Mandou o Capitão aquele degredado, Afonso Ribeiro, que se fosse outra vez com eles. E foi; e andou lá um bom pedaço, mas a tarde regressou, que o fizeram eles vir: e não o quiseram lá consentir. E deram-lhe arcos e setas; e não lhe tomaram nada do seu. Antes, disse ele, que lhe tomara um deles umas continhas amarelas que levava e fugia com elas, e ele se queixou e os outros foram logo após ele, e lhas tomaram e tornaram-lhas a dar; e então mandaram-no vir. Disse que não vira lá entre eles senão umas choupaninhas de rama verde e de feteiras muito grandes, como as de Entre Douro e Minho. E assim nos tornamos às naus, já quase noite, a dormir.

Segunda-feira, depois de comer, saímos todos em terra a tomar água. Ali vieram então muitos; mas não tantos como as outras vezes. E traziam já muito poucos arcos. E estiveram um pouco afastados de nós; mas depois pouco a pouco misturaram-se conosco; e abraçavam-nos e folgavam; mas alguns deles se esquivavam logo. Ali davam alguns arcos por folhas de papel e por alguma carapucinha velha e por qualquer coisa. E de tal maneira se passou a coisa que bem vinte ou trinta pessoas das nossas se foram com eles para onde outros muitos deles estavam com moças e mulheres. E trouxeram de lá muitos arcos e barretes de penas de aves, uns verdes, outros amarelos, dos quais creio que o Capitão há de mandar uma amostra a Vossa Alteza.

E segundo diziam esses que lá tinham ido, brincaram com eles. Neste dia os vimos mais de perto e mais à nossa vontade, por andarmos quase todos misturados: uns andavam quartejados daquelas tinturas, outros de metades, outros de tanta feição como em pano de ras, e todos com os beiços furados, muitos com os ossos neles, e bastantes sem ossos. Alguns traziam uns ouriços verdes, de árvores, que na cor queriam parecer de castanheiras, embora fossem muito mais pequenos. E estavam cheios de uns grãos vermelhos, pequeninos que, esmagando-se entre os dedos, se desfaziam na tinta muito vermelha de que andavam tingidos. E quanto mais se molhavam, tanto mais vermelhos ficavam.

Todos andam rapados até por cima das orelhas; assim mesmo de sobrancelhas e pestanas.

Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas de tintura preta, que parece uma fita preta da largura de dois dedos.

E o Capitão mandou aquele degredado Afonso Ribeiro e a outros dois degredados que fossem meter-se entre eles; e assim mesmo a Diogo Dias, por ser homem alegre, com que eles folgavam. E aos degredados ordenou que ficassem lá esta noite.

Foram-se lá todos; e andaram entre eles. E segundo depois diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais diziam que eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitaina. E eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoável altura; e todas de um só espaço, sem repartição alguma, tinham de dentro muitos esteios; e de esteio a esteio uma rede atada com cabos em cada esteio, altas, em que dormiam. E de baixo, para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma numa extremidade, e outra na oposta. E diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os encontraram; e que lhes deram de comer dos alimentos que tinham, a saber muito inhame, e outras sementes que na terra dá, que eles comem. E como se fazia tarde fizeram-nos logo todos tornar; e não quiseram que lá ficasse nenhum. E ainda, segundo diziam, queriam vir com eles. Resgataram lá por cascavéis e outras coisinhas de pouco valor, que levavam, papagaios vermelhos, muito grandes e formosos, e dois verdes pequeninos, e carapuças de penas verdes, e um pano de penas de muitas cores, espécie de tecido assaz belo, segundo Vossa Alteza todas estas coisas verá, porque o Capitão vo-las há de mandar, segundo ele disse. E com isto vieram; e nós tornamo-nos às naus.

Terça-feira, depois de comer, fomos em terra, fazer lenha, e para lavar roupa. Estavam na praia, quando chegamos, uns sessenta ou setenta, sem arcos e sem nada. Tanto que chegamos, vieram logo para nós, sem se esquivarem. E depois acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos. E misturaram-se todos tanto conosco que uns nos ajudavam a acarretar lenha e metê-las nos batéis. E lutavam com os nossos, e tomavam com prazer. E enquanto fazíamos a lenha, construíam dois carpinteiros uma grande cruz de um pau que se ontem para isso cortara. Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros. E creio que o faziam mais para verem a ferramenta de ferro com que a faziam do que para verem a cruz, porque eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, porque lhas viram lá. Era já a conversação deles conosco tanta que quase nos estorvavam no que havíamos de fazer.

E o Capitão mandou a dois degredados e a Diogo Dias que fossem lá à aldeia e que de modo algum viessem a dormir às naus, ainda que os mandassem embora. E assim se foram.

Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios essas árvores; verdes uns, e pardos, outros, grandes e pequenos, de sorte que me parece que haverá muitos nesta terra. Todavia os que vi não seriam mais que nove ou dez, quando muito. Outras aves não vimos então, a não ser algumas pombas-seixeiras, e pareceram-me maiores bastante do que as de Portugal. Vários diziam que viram rolas, mas eu não as vi. Todavia segundo os arvoredos são mui muitos e grandes, e de infinitas espécies, não duvido que por esse sertão haja muitas aves!

E cerca da noite nós volvemos para as naus com nossa lenha.

Eu creio, Senhor, que não dei ainda conta aqui a Vossa Alteza do feitio de seus arcos e setas. Os arcos são pretos e compridos, e as setas compridas; e os ferros delas são canas aparadas, conforme Vossa Alteza verá alguns que creio que o Capitão a Ela há de enviar.

Quarta-feira não fomos em terra, porque o Capitão andou todo o dia no navio dos mantimentos a despejá-lo e fazer levar às naus isso que cada um podia levar. Eles acudiram à praia, muitos, segundo das naus vimos. Seriam perto de trezentos, segundo Sancho de Tovar que para lá foi. Diogo Dias e Afonso Ribeiro, o degredado, aos quais o Capitão ontem ordenara que de toda maneira lá dormissem, tinham voltado já de noite, por eles não quererem que lá ficassem. E traziam papagaios verdes; e outras aves pretas, quase como pegas, com a diferença de terem o bico branco e rabos curtos. E quando Sancho de Tovar recolheu à nau, queriam vir com ele, alguns; mas ele não admitiu senão dois mancebos, bem dispostos e homens de prol. Mandou pensar e curá-los mui bem essa noite. E comeram toda a ração que lhes deram, e mandou dar-lhes cama de lençóis, segundo ele disse. E dormiram e folgaram aquela noite. E não houve mais este dia que para escrever seja.

Quinta-feira, derradeiro de abril, comemos logo, quase pela manhã, e fomos em terra por mais lenha e água. E em querendo o Capitão sair desta nau, chegou Sancho de Tovar com seus dois hóspedes. E por ele ainda não ter comido, puseram-lhe toalhas, e veio-lhe comida. E comeu. Os hóspedes, sentaram-no cada um em sua cadeira. E de tudo quanto lhes deram, comeram mui bem, especialmente lacão cozido frio, e arroz. Não lhes deram vinho por Sancho de Tovar dizer que o não bebiam bem.

Acabado o comer, metemo-nos todos no batel, e eles conosco. Deu um grumete a um deles uma armadura grande de porco montês, bem revolta. E logo que a tomou meteu-a no beiço; e porque se lhe não queria segurar, deram-lhe uma pouca de cera vermelha. E ele ajeitou-lhe seu adereço da parte de trás de sorte que segurasse, e meteu-a no beiço, assim revolta para cima; e ia tão contente com ela, como se tivesse uma grande jóia. E tanto que saímos em terra, foi-se logo com ela. E não tornou a aparecer lá.

Andariam na praia, quando saímos, oito ou dez deles; e de aí a pouco começaram a vir. E parece-me que viriam este dia a praia quatrocentos ou quatrocentos e cinqüenta. Alguns deles traziam arcos e setas; e deram tudo em troca de carapuças e por qualquer coisa que lhes davam. Comiam conosco do que lhes dávamos, e alguns deles bebiam vinho, ao passo que outros o não podiam beber. Mas quer-me parecer que, se os acostumarem, o hão de beber de boa vontade! Andavam todos tão bem dispostos e tão bem feitos e galantes com suas pinturas que agradavam. Acarretavam dessa lenha quanta podiam, com mil boas vontades, e levavam-na aos batéis. E estavam já mais mansos e seguros entre nós do que nós estávamos entre eles.

Foi o Capitão com alguns de nós um pedaço por este arvoredo até um ribeiro grande, e de muita água, que ao nosso parecer é o mesmo que vem ter à praia, em que nós tomamos água. Ali descansamos um pedaço, bebendo e folgando, ao longo dele, entre esse arvoredo que é tanto e tamanho e tão basto e de tanta qualidade de folhagem que não se pode calcular. Há lá muitas palmeiras, de que colhemos muitos e bons palmitos.

Ao sairmos do batel, disse o Capitão que seria bom irmos em direitura à cruz que estava encostada a uma árvore, junto ao rio, a fim de ser colocada amanhã, sexta-feira, e que nos puséssemos todos de joelhos e a beijássemos para eles verem o acatamento que lhe tínhamos. E assim fizemos. E a esses dez ou doze que lá estavam, acenaram-lhes que fizessem o mesmo; e logo foram todos beijá-la.

Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências. E portanto se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente é boa e de bela simplicidade. E imprimir-se-á facilmente neles qualquer cunho que lhe quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons. E o Ele nos para aqui trazer creio que não foi sem causa. E portanto Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da salvação deles. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim!

Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao viver do homem. E não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.

Nesse dia, enquanto ali andavam, dançaram e bailaram sempre com os nossos, ao som de um tamboril nosso, como se fossem mais amigos nossos do que nós seus. Se lhes a gente acenava, se queriam vir às naus, aprontavam-se logo para isso, de modo tal, que se os convidáramos a todos, todos vieram. Porém não levamos esta noite às naus senão quatro ou cinco; a saber, o Capitão-mor, dois; e Simão de Miranda, um que já trazia por pagem; e Aires Gomes a outro, pagem também. Os que o Capitão trazia, era um deles um dos seus hóspedes que lhe haviam trazido a primeira vez quando aqui chegamos -- o qual veio hoje aqui vestido na sua camisa, e com ele um seu irmão; e foram esta noite mui bem agasalhados tanto de comida como de cama, de colchões e lençóis, para os mais amansar.

E hoje que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra com nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio, contra o sul onde nos pareceu que seria melhor arvorar a cruz, para melhor ser vista. E ali marcou o Capitão o sítio onde haviam de fazer a cova para a fincar. E enquanto a iam abrindo, ele com todos nós outros fomos pela cruz, rio abaixo onde ela estava. E com os religiosos e sacerdotes que cantavam, à frente, fomos trazendo-a dali, a modo de procissão. Eram já aí quantidade deles, uns setenta ou oitenta; e quando nos assim viram chegar, alguns se foram meter debaixo dela, ajudar-nos. Passamos o rio, ao longo da praia; e fomos colocá-la onde havia de ficar, que será obra de dois tiros de besta do rio. Andando-se ali nisto, viriam bem cento cinqüenta, ou mais. Plantada a cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiro lhe haviam pregado, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco, a ela, perto de cinqüenta ou sessenta deles, assentados todos de joelho assim como nós. E quando se veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco, e alçaram as mãos, estando assim até se chegar ao fim; e então tornaram-se a assentar, como nós. E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim como nós estávamos, com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados que certifico a Vossa Alteza que nos fez muita devoção.

Estiveram assim conosco até acabada a comunhão; e depois da comunhão, comungaram esses religiosos e sacerdotes; e o Capitão com alguns de nós outros. E alguns deles, por o Sol ser grande, levantaram-se enquanto estávamos comungando, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou cinqüenta e cinco anos, se conservou ali com aqueles que ficaram. Esse, enquanto assim estávamos, juntava aqueles que ali tinham ficado, e ainda chamava outros. E andando assim entre eles, falando-lhes, acenou com o dedo para o altar, e depois mostrou com o dedo para o céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos!

Acabada a missa, tirou o padre a vestimenta de cima, e ficou na alva; e assim se subiu, junto ao altar, em uma cadeira; e ali nos pregou o Evangelho e dos Apóstolos cujo é o dia, tratando no fim da pregação desse vosso prosseguimento tão santo e virtuoso, que nos causou mais devoção.

Esses que estiveram sempre à pregação estavam assim como nós olhando para ele. E aquele que digo, chamava alguns, que viessem ali. Alguns vinham e outros iam-se; e acabada a pregação, trazia Nicolau Coelho muitas cruzes de estanho com crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra vinda. E houveram por bem que lançassem a cada um sua ao pescoço. Por essa causa se assentou o padre frei Henrique ao pé da cruz; e ali lançava a sua a todos -- um a um -- ao pescoço, atada em um fio, fazendo-lha primeiro beijar e levantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançavam-nas todas, que seriam obra de quarenta ou cinqüenta. E isto acabado -- era já bem uma hora depois do meio dia -- viemos às naus a comer, onde o Capitão trouxe consigo aquele mesmo que fez aos outros aquele gesto para o altar e para o céu, (e um seu irmão com ele). A aquele fez muita honra e deu-lhe uma camisa mourisca; e ao outro uma camisa destoutras.

E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente, não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, do que entenderem-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer como nós mesmos; por onde pareceu a todos que nenhuma idolatria nem adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que todos serão tornados e convertidos ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar; porque já então terão mais conhecimentos de nossa fé, pelos dois degredados que aqui entre eles ficam, os quais hoje também comungaram.

Entre todos estes que hoje vieram não veio mais que uma mulher, moça, a qual esteve sempre à missa, à qual deram um pano com que se cobrisse; e puseram-lho em volta dela. Todavia, ao sentar-se, não se lembrava de o estender muito para se cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria maior -- com respeito ao pudor.

Ora veja Vossa Alteza quem em tal inocência vive se se convertera, ou não, se lhe ensinarem o que pertence à sua salvação.

Acabado isto, fomos perante eles beijar a cruz. E despedimo-nos e fomos comer.

Creio, Senhor, que, com estes dois degredados que aqui ficam, ficarão mais dois grumetes, que esta noite se saíram em terra, desta nau, no esquife, fugidos, os quais não vieram mais. E cremos que ficarão aqui porque de manhã, prazendo a Deus fazemos nossa partida daqui.

Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até à outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras, umas vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é toda praia... muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande; porque a estender olhos, não podíamos ver senão terra e arvoredos -- terra que nos parecia muito extensa.

Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!

Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegação de Calicute bastava. Quanto mais, disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa fé!

E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. E se a um pouco alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo.

E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro -- o que d'Ela receberei em muita mercê.

Beijo as mãos de Vossa Alteza.

Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.

Pero Vaz de Caminha.

Referências→ Escola Viva, Programa de Pesquisa e Apoio Escolar, O Tesouro do Estudante, Multimídia Multicolor 2003, Nível Fundamental e Médio. Ensino Global
Brasil, História por Voltaire Schilling. Carta de Pero Vaz de Caminha. Disponível em: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/500br/carta_caminha.htm
Sistema de Ensino IBEP. Apostila Língua Portuguesa. Antônio de Siqueira e Silva• Rafael Bertolin
Pontes, Marta. Minimanual de Redação e Literatura / Marta Pontes - São Paulo: DCL, 2010.